segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Bordô
"(...) não há luz ofuscante nem escuridão alguma: é tudo bordô, bordô inteiro, por todo o tempo." 28.03.2011
Quarenta e dois
Agridoce
Já fui de escrever páginas;
hoje me satisfaço com um par de frases.
Dramatizo tudo e você faz piada
(Depois de trinta e dois, ainda me
Debruço pra te escrever, vê?).
Não somos ecos do que fomos;
somos máximas.
Antes complemento, hoje cisão.
Entre doce e amargo, o agridoce extremou...
Da harmonia da antítese,
o caos do paradoxo.
hoje me satisfaço com um par de frases.
Dramatizo tudo e você faz piada
(Depois de trinta e dois, ainda me
Debruço pra te escrever, vê?).
Não somos ecos do que fomos;
somos máximas.
Antes complemento, hoje cisão.
Entre doce e amargo, o agridoce extremou...
Da harmonia da antítese,
o caos do paradoxo.
Vinte e seis
"Um rosto curioso. Misto de tudo, vinha então serenidade e absurdo, surreal a transbordar de normalidade. Os olhos com sombra e luz a confundir-nos a todos, castanhos, vibrantes, melancolia pura. Pálido. Rosado. Sorriso maior do mundo, choro inquieto e incessante. Parado e sem foco, se manchado por qualquer gota de sangue traria o medo junto. O pavor. Todo o horror que pudesse existir. Mas era limpo, estava limpo, mantinha-se limpo. De uma integridade tal que qualquer desonestidade era engolida. Fazia parte. Fazia parte, mas era o todo. A boca protuberante e rasa no simultâneo. Velhice e juventude se mesclavam em trezentos e doze. O suspiro baixo de quem dorme, os dedos finos servindo de apoio para que a cabeça pudesse descansar. Ela era tudo; todas as coisas e nenhuma delas."
1984
Depois de um momento de reflexão, a gente descobre que não existe nem mesmo uma pessoa no mundo que a gente não trairia pra se salvar. E não tem como fugir disso, o amor (se é que existe) é circunstancial, contingente, condicional. É um choque grande demais descobrir que a lealdade não existe, quando se acreditava que era nossa maior qualidade. Seremos todos uns tolos?
02.10.2011
02.10.2011
Um conto qualquer.
"Momentos pausados, esquisitice, calmaria. É tudo tão difuso. É tudo tão mal-feito. Rabisco o papel, e ela me sorri. Tento, em vão, me concentrar no que fazia antes, mas é tarde, já me roubou a atenção. Será que só vejo nela o que há em mim?, me pergunto, me corrôo por dentro, a caneta me escapa. Cilindros espalhados pelo colchão e sua cabeça inclinada. Meu peito arfa, mas não posso me aproximar. Não sei se Eva é real – às vezes parece que não pode ser. Os ponteiros mudos a me ensurdecer relembram a cada instante o que eu quero esquecer: nosso tempo está acabando, minha cara. Incluo comportamentos mil em cada novo eu que finjo inventar, mas Eva continua a mesma, sempre foi tal qual é (ou tal qual vejo). Suas mãos – as que eu poderia segurar e não soltar mais, não fosse a distância – estendidas em minha direção; sinto seu olhar a queimar-me as costas enquanto escrevo, mas Eva não está em casa. E volta a saudade de quando era minha companhia nos balanços e nas brincadeiras da tardinha, e de nossa vontade de ter uma casa-da-árvore. A gaita outra vez a tocar, e o seu sorriso de criança banguela a estender-me os mesmos dedos que há pouco. Eva me diz que sente muito, e que sente também a minha falta. Sua voz é quase chorosa ao telefone (esse mesmo que eu imagino). Só não consigo mais distinguir o que é verdade e o que não é. Talvez eu deva estar virando a página, percebo. E antes que notasse, escrevia no vazio. É que às vezes a gente foge antes de sofrer, e tende a repetir tal ato: e quando não temos mais pra onde ir? Antes buscasse proteção, não encontraria esses olhos. Ela se levanta da cama com outra xícara de café a me entregar, e quase posso sentir suas mãos em meus ombros. Não sei se está viva ou morta e isso dói. É que ela está tão presente em meu pensamento que não consigo diferenciar presença de falta. E a culpa por seus atos me consome, ainda que eu os desconheça. Então me ponho a pensar nestes princípios idiotas e na hipocrisia do mundo, que vive também em mim. E meus olhos ardem quando percebo que tudo que condeno existe em meu coração; meu coração, por sua vez, se aperta quando eu lhe acuso de antemão, já sabendo que não deveria. E manipulado sou, por valores errados que sei que são errados; manipulado sou, sabendo que me manipulam. Como admirá-la se já não tem meu respeito? É mais forte que eu. Seus lábios sobre os meus me fazem querer chorar, pois não sei o que é a vida além dela. Ocupo meu tempo com versos e confissões, com tentativas falhas de esquecer meu nome, com a tola esperança de aprender a ser outro alguém. Queria poder tomá-la nos braços antes que qualquer um atirasse a pedra; por alguns momentos me esqueço que o primeiro fui eu. E tudo que escrevo aqui sai embolado – não fazer sentido talvez seja proposital (eu nunca sei). A carga da caneta quase acaba. Talvez seja hora de parar um pouco e ver se ela está aquecida o bastante. E eu posso usar de mil frases ou dizer coisa alguma, ela entenderá: estou indo embora (devagar, aos poucos, me afasto enquanto meus ouvidos se enchem do ruído de sua tosse – ou será que é ela quem está me deixando?). Talvez seja essa nossa arte em comum, de esconder as coisas por trás das palavras. Eva bradou-as em minha frente por todo esse tempo e eu, provando de meu próprio veneno. O que quero dizer é que talvez eu não possa segurar o rojão desta vez, porque ela faz o mesmo que eu. E falar de amor é fácil demais: complicado é expor a dor que se sente. Vamos pelas entrelinhas, sem clareza, a mão tremendo e o coração disparado: ao mesmo tempo em que sei que vou morrer de saudade, preciso correr para longe desse quarto antes que ela perceba. Deve ser o certo a se fazer, quando seus olhos estão tão machucados, quando ela mal consegue abrir a boca; mas seu interior sorri (ou é o contrário?). Agora eu vejo. É sempre a mesma história, vê? Ela poderia ser minha Capitu, ou eu ser seu Heathcliff. A gente sempre acaba sendo magoado por aqueles que amamos. Mas somos só nós dois, como nunca fomos. Tentei, em vão, o silêncio. Sem despedidas, o final deveria doer menos. Mas ela estava acordada, para o meu temor estava acordada. Seria mais difícil assim, porque aquele olhar equivalia a muitos. Aproximei-me e me agarrei mais a ela, então. Esperaria até que adormecesse. Grudou seus lábios nos meus com sofreguidão, o nariz amassando em minha bochecha. Sua pele ardia em febre – ela estava mesmo ali? Eu não sabia. Gostaria de perdoá-la, mas como, se o erro dela era o meu próprio erro? Era dor demais, melancolia além da conta. Quando sua respiração pesou e os olhos fechados continuaram, soltei-me dela como se estivesse me queimando (mais tarde, eu descobriria que realmente estava ferido). Saí do lugar (se é que era um lugar real) sem olhar para trás. Lá de dentro, Eva me sorriu – não que fosse este, de fato, seu nome. Mas, para mim, não havia qualquer outro jeito de explicar que aos meus olhos não existia uma só mulher além dela."
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